Do trabalho de jornalista ao de acompanhamento pessoal do meu pai, desde abril deste ano, tenho aprendido diversas estratégias de humanização. Uma delas é fazer da fotografia um processo dialógico interessante com um senhor de 88 anos com doença de Alzheimer.
Não estou me referindo a técnicas propriamente ditas, que também são importantes, mas neste caso não são fundamentais. Refiro-me ao interesse de “auscultar” como a pessoa gosta de ser fotografada.
Para tanto, a primeira coisa a se fazer é conhecer sua biografia. Se ela já é conhecida, aprofundá-la mediante perguntas simples como estas a serem feitas não diretamente à pessoa, mas a si mesmo mediante o convívio com a pessoa:
– Gostava de fotografias?
– Como se posicionava mediante a câmera: como amiga ou como se estivesse diante de arma prestes a disparar?
Bem, no caso da pessoa amada da qual falo agora, meu pai, ele sempre teve uma boa relação, ou seja, se avisado, vestia-se propositalmente para as fotos e, quando via que, espontaneamente, alguém se preparava para fazer uma imagem, procurava se ajeitar no melhor ângulo. Isso acontecia principalmente quando tocava violino com seus primos e amigos.
Além dessa característica, fiz uma busca nas fotos do passado e vi que sempre fez da fotografia algo que escrevesse sua história. No plantio de mudas ou sementes, na celebração de alguma festa, ou simplesmente para documentar cenas da vida diária com esposa, filhos e filhas.
Como tem um irmão sacerdote, que sempre visita a família com sua máquina fotográfica, o gosto pela fotografia também cresceu. Comprou a própria câmera numa época em que poucas pessoas da redondeza tinham uma. Assim, a família conta com bons documentos imagéticos do passado pelo seu apreço à fotografia. E mais tarde, ao ganhar uma câmera de vídeo, gravou diversas cenas familiares e da comunidade.
E agora? O apreço pela fotografia não muda. Ao ver alguém se posicionando para uma foto com celular, ele demora mais para enxergar e compreender que se trata de fazer uma foto, mas ao se certificar do que se trata procura colaborar. Pode não lembrar o que é isso, mas se sente bem ao se identificar na foto depois.
Nessa perspectiva, as fotos precisam ser feitas em seus melhores momentos, que é como ele gostava de fazer, ou documentando algo que ele valorize muito, da forma como era no passado, como tocando cavaquinho ou buscando indícios familiares no horizonte.
E a técnica? Ora, a técnica fotográfica tem lá sua sapiência e nos ajuda nessa escolha, mas fazer uma foto ao ar livre, com árvores e flores é garantia de ser ótima, pois se sente bem nesses lugares claros, com a brisa acarinhando o rosto e os cabelos, o que lhe transmite singular bem-estar, principalmente num final de tarde.
Gosto de fazer a foto na composição chamada “regra dos terços”, que me ajuda a valorizar a fotografia, por mais simples que seja e mesmo que feito com celular básico. Por esta regra universal, os olhares seguirão para o ponto ao qual quero chamar a atenção.
Ele me ensina a não desperdiçar a oportunidade de lhe contar a história de sua vida todos os dias, como se fosse da primeira vez. Ao receber novamente a informação de quem é, alegra-se como se estivesse recebendo uma grande notícia. E cada final de tarde nos traz os sentimentos mais puros de que o amanhã será melhor, aconteça o que acontecer.
Qualquer tempo doado a alguém é multiplicado e devolvido em felicidade. Mas quando fazemos isso para alguém que nem se lembra do nosso nome, então, a felicidade se torna escandalosamente bela, transcendental.